Quase metade da população de Nagorno-Karabakh fugiu. O que acontece depois?
Postado em: Por: Raimundo Carvalho
Mais de 50 mil pessoas já evacuaram região separatista após ofensiva relâmpago do Azerbaijão que fez governo local desmanchar suas forças armadas e se render.
Quase metade da população de Nagorno-Karabakh fugiu para a Armênia, com muitos milhares ainda lutando para evacuar, uma semana depois da região separatista ter se rendido após uma ofensiva relâmpago do Azerbaijão. Quase metade da população de Nagorno-Karabakh fugiu para a Armênia, com muitos milhares ainda lutando para evacuar, uma semana depois da região separatista ter se rendido após uma ofensiva relâmpago do Azerbaijão.
O Azerbaijão disse na semana passada que recuperou o controle total de Nagorno-Karabakh, que fica dentro das fronteiras do Azerbaijão, mas que durante décadas operou de forma autônoma com um governo de fato próprio.
O país afirmou que os armênios de Karabakh poderiam permanecer na região se aceitassem a cidadania do Azerbaijão, mas muitos preferiram deixar as suas casas em vez de se submeterem ao governo de Baku.
Muitos residentes não têm esperança de regressar à sua terra natal ancestral. “Eles mudaram a nossa bandeira, o nosso governo se rendeu. Isso é tudo. Nenhum armênio ficará aqui dentro de talvez duas semanas”, disse um residente de Karabakh.
Como chegamos aqui?
O Azerbaijão obteve uma vitória militar decisiva na região na semana passada, forçando as forças armadas de Karabakh a se renderem em menos de 24 horas e aparentemente pondo fim a um conflito que durou mais de um século.
Depois de o Azerbaijão ter lançado ataques com mísseis e drones em Nagorno-Karabakh, em 19 de setembro, muitos na capital regional de Stepanakert passaram a noite em abrigos antiaéreos improvisados, no que marcou o início de uma terceira guerra travada pelo controle da região em tantas décadas.
Sob a União Soviética, da qual o Azerbaijão e a Armênia são antigos membros, Nagorno-Karabakh tornou-se uma região autônoma dentro da república do Azerbaijão em 1923.
As autoridades de Karabakh aprovaram uma resolução em 1988 declarando sua intenção de aderir à república da Armênia, causando o início dos combates quando a União Soviética começou a desmoronar, no que se tornou a Primeira Guerra de Karabakh. Cerca de 30 mil pessoas foram mortas ao longo de seis anos de violência, que terminou em 1994, quando o lado armênio ganhou o controle da região.
Após anos de confrontos esporádicos, a Segunda Guerra de Karabakh começou em 2020. O Azerbaijão, apoiado pelo seu aliado histórico, a Turquia, recuperou um terço do território de Karabakh em apenas 44 dias, antes de ambos os lados concordarem em baixar as armas em um cessar-fogo mediado pela Rússia.
O conflito de Nagorno-Karabakh
Nagorno-Karabakh, uma região separatista de maioria étnica armênia, tem sido a causa de duas guerras entre a Armênia e o Azerbaijão nas últimas três décadas. O Azerbaijão lançou um ataque de 24 horas à região em 19 de setembro de 2023, antes que as forças étnicas armênias concordassem com um cessar-fogo mediado pela Rússia que os levou a dispersar as suas forças armadas.
O Azerbaijão disse ter retomado o controle total da região no mesmo dia.
Mas a terceira guerra duraria apenas um dia. A presidência de Karabakh disse que o seu exército foi superado em número “várias vezes” pelas forças do Azerbaijão e não teve outra escolha senão se render e concordar com “a dissolução e o desarmamento completo das suas forças armadas”. Um segundo cessar-fogo – também mediado pela Rússia – entrou em vigor às 13h (no horário local) de 20 de setembro.
A rapidez da rendição de Karabakh foi uma medida da sua inferioridade militar. Armado com drones turcos, o Azerbaijão obteve uma vitória esmagadora em 2020, atacando não só Nagorno-Karabakh, mas também a própria Armênia. Ao contrário de 2020, as forças armadas da Armênia não tentaram defender a região durante a ofensiva mais recente – em parte por medo de uma nova agressão do Azerbaijão.
“Eles têm uma vantagem tão grande que poderiam facilmente dividir a Armênia em duas”, disse Olesya Vartanyan, analista sênior do Crisis Group para o Sul do Cáucaso, à CNN. “Apenas através de uma operação militar muito curta. Provavelmente um ou dois dias para que isso aconteça”.
O desespero de Karabakh foi o triunfo de Baku. Em um discurso à nação na quarta-feira à noite, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, anunciou que as suas forças tinham “punido o inimigo adequadamente” e que Baku tinha restaurado a sua soberania “com mão de ferro”.
O que acontece depois?
No dia seguinte ao cessar-fogo, Baku enviou representantes para se reunirem com autoridades de Karabakh e discutirem a “reintegração”. Poucos detalhes foram divulgados sobre as negociações, mas o Azerbaijão tem sido explícito há muito tempo sobre a escolha que os armênios étnicos enfrentam na região.
Em discurso proferido em maio, ele disse que os responsáveis de Karabakh precisavam “abaixar a cabeça” e aceitar a integração total no Azerbaijão.
Farid Shafiyev, presidente do Centro de Análise de Relações Internacionais em Baku – uma organização envolvida nas discussões governamentais sobre “reintegração” – disse à CNN: “Aqueles que não querem aceitar a jurisdição do Azerbaijão, têm que sair. Aqueles que gostariam de ficar e obter os passaportes, são bem-vindos”.
Aliyev afirmou que os direitos dos armênios de Karabakh “serão garantidos”, mas o primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, e especialistas internacionais alertaram repetidamente para o risco de limpeza étnica.
Nonna Poghosyan, coordenadora do programa da Universidade Americana da Armênia em Stepanakert, disse à CNN que sua família percebeu neste fim de semana que era mais seguro partir do que ficar. Ela passou a manhã de segunda-feira (25) vendo quantos pertences de sua família cabiam no carro.
Ela disse que seus filhos gêmeos de nove anos se despediram da casa.
“Eles pegaram suas canetinhas, foram para seus quartos e pintaram nas paredes. Eles desenharam igrejas, cruzes, algumas palavras, como ‘Artsakh, nós amamos você. Jamais iremos te esquecer. Não queremos perder você, nossa pátria’”, disse Poghosyan.
Quem receberá os refugiados?
Pashinyan disse em um discurso no domingo que o seu governo “receberá as nossas irmãs e irmãos de Nagorno-Karabakh na República da Armênia com todo carinho”.
Mas ainda não está claro até que ponto a Armênia – uma nação com cerca de 2,8 milhões de pessoas – está preparada para acolher até 120 mil pessoas que chegam de Nagorno-Karabakh.
Cerca de 50 mil pessoas cruzaram a fronteira até a manhã de quarta-feira, chegando a campos temporários de refugiados montados nas cidades fronteiriças de Goris e Kornidzor. Durante uma visita à Armênia, a chefe da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Samantha Power, alertou que aqueles que chegavam sofriam de “desnutrição grave”.
Nagorno-Karabakh está sob bloqueio desde dezembro de 2022, quando ativistas apoiados pelo Azerbaijão estabeleceram um posto de controle militar no corredor de Lachin – a única estrada que liga o enclave sem litoral à Armênia.
O bloqueio impediu a importação de alimentos, combustível e medicamentos para Nagorno-Karabakh, gerando receios de que os residentes estivessem sendo deixados à fome. Moradores disseram à CNN antes do início da última ofensiva que teriam que esperar horas na fila para conseguir sua parcela diária de pão. O bloqueio foi suspenso na semana passada, permitindo a fuga dos moradores.
Power chegou a Baku na quarta-feira, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA, “para discutir a situação humanitária em Nagorno-Karabakh” e “abordar as perspectivas de uma paz duradoura e digna entre o Azerbaijão e a Armênia, baseada no respeito mútuo pela integridade territorial de cada um e soberania”.
Todos podem sair?
Analistas disseram à CNN antes do início das evacuações que temiam que o Azerbaijão pudesse impedir a saída de certos membros da população.
Vartanyan, do Crisis Group, disse estar preocupada com quem administraria as rotas para a Armênia. “Serão as forças russas de manutenção da paz, o CICV, ou serão as autoridades do Azerbaijão?”, ela perguntou. “Isso significa que as pessoas terão que passar por campos de filtragem? E então as pessoas serão detidas – por exemplo, os homens locais que participaram nos combates no passado, ou aqueles que faziam parte das autoridades locais de fato?”.
No fim de semana, “uma das principais coisas que as pessoas fizeram em Stepanakert foi queimar toda a documentação possível que pudesse servir de prova para as autoridades do Azerbaijão de que elas pessoalmente faziam parte do governo de fato”, disse Vartanyan.
Na quarta-feira, Ruben Vardanyan, um proeminente político e empresário de Karabakh, foi preso em um posto de fronteira no corredor de Lachin e levado para Baku, de acordo com o serviço de fronteira. O Azerbaijão alegou que Vardanyan tinha entrado ilegalmente no país, sem entrar em mais detalhes. Baku há muito afirma que o governo de Artsakh tem operado ilegalmente no seu território.
Uma foto compartilhada pelo serviço de fronteira no Telegram mostrava Vardanyan sendo detido por dois homens com uniformes do Azerbaijão. A CNN não conseguiu verificar de forma independente a autenticidade da imagem.
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