O Brasil defende que os “interesses legítimos de segurança” de russos e ucranianos sejam considerados em um eventual processo de paz. Para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, não haverá um fim para o conflito enquanto o governo de Vladimir Putin não esteja envolvido nos debates e a guerra precisa ser entendida dentro da perspectiva de uma rivalidade maior entre Moscou e o Ocidente.

Essa foi a mensagem do governo brasileiro durante a reunião que ocorre neste fim de semana, na Arábia Saudita, para encontrar formas que possam conduzir a guerra entre ucranianos e russos a uma negociação diplomática. Para o governo brasileiro, um dos possíveis caminhos para a paz poderia ser o estabelecimento de acordos no setor humanitário.

O recado brasileiro ainda indicou que não haverá uma forma de impor a paz por meio de uma vitória militar. O encontro ocorreu num momento de extrema tensão entre russos e ucranianos, com ataques recíprocos, inclusive no Mar Negro.

O assessor especial da presidência, Celso Amorim, participou da reunião por videoconferência, já que o encontro ocorre praticamente às vésperas da Cúpula da Amazônia, promovida pelo próprio governo brasileiro. Amorim, porém, explicou que o governo enviou um diplomata para Jeddah, onde ocorre a reunião.

De acordo com o embaixador brasileiro, os termos do encontro apresentados pelos anfitriões sauditas foram considerados como adequados. Não haverá uma declaração final e o encontro será informal, justamente para permitir que opções de negociações possam ser exploradas pelos países.

Amorim fez o alerta por conta de uma pressão dos ucranianos para que o encontro termine com um apoio tácito dos participantes em relação ao projeto de paz de Kiev. Qualquer tentativa em uma direção diferente seria, do nosso ponto de vista, contraprodutivo para o processo que iniciamos em Copenhague”, alertou.

Cerca de 30 governos foram convidados, incluindo os membros do G7 e diversos países emergentes, entre eles o Brasil, Índia e África do Sul. A China também enviou um negociador. Mas a Rússia não foi convidada.

Antes do início do encontro, o governo ucraniano indicou que esperava que o encontro servisse para que sua proposta de paz receba o apoio de um número maior de países e que uma cúpula de chefes de estado pudesse ser o resultado das discussões no fim de semana.

Mas admitiu que seria um processo “difícil”. O projeto prevê a retirada completa das tropas russas e o restabelecimento das fronteiras nacionais, o que é considerado por Moscou como uma capitulação, e não uma negociação.

Amorim, num discurso feito também para mostrar um esforço de que não apoia a invasão, afirmou aos demais países que “o Brasil tem sido claro em sua condenação da violação da integridade territorial da Ucrânia e na defesa de todos os propósitos e princípios da Carta da ONU”.

“Lamentamos muito o sofrimento contínuo de todos os envolvidos, em particular da população civil”, disse.

Segundo ele, o presidente Lula “frequentemente expressa sua indignação com a continuidade das mortes e da destruição em uma guerra que, em suas palavras, “nunca deveria ter ocorrido”. Amorim destacou como viajou tanto para Moscou como para Kiev.

Brasil defende inclusão de Rússia em negociação
Segundo Amorim, qualquer saída para a guerra terá de envolver uma negociação que inclua russos e ucranianos.

“Como dissemos repetidamente, qualquer negociação real deve envolver todas as partes.
Embora a Ucrânia seja a maior vítima, se realmente quisermos a paz, temos que envolver Moscou neste processo de alguma forma”, disse Amorim.

A mesma mensagem da necessidade de considerar os russos foi passada ainda no primeiro semestre, quando os presidentes Volodymyr Zelensky e Luiz Inácio Lula da Silva conversaram por videoconferência. Na ocasião, Lula deixou claro que não existe um “plano de paz unilateral”.

Numa mensagem a ambas as partes, ele deixou claro: “um plano de paz só pode ser implementado por meios pacíficos”.

Segundo Amorim:

Uma paz duradoura precisa reconciliar os interesses legítimos de segurança de todas as partes, sob a égide do direito internacional.

Guerra é parte de rivalidade entre Rússia e Ocidente
Segundo ele, “para que essas preocupações possam ser abordadas de maneira adequada, é importante ter presente uma perspectiva histórica”. “Este não é apenas um conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Este também é um capítulo na secular rivalidade entre a Rússia e o Ocidente”, alertou.

Para ele, o mundo não pode subestimar as dificuldades que estão pela frente. “Como disse uma vezo estadista francês Georges Clemenceau: “É muito mais fácil fazer a guerra do que a paz”, alertou.

“Situações aparentemente intratáveis encontraram solução, ou ao menos acomodação, evitando uma escalada indefinida”, defendeu. “Mas existem lições a serem aprendidas de experiências passadas, incluindo as mais recentes”, disse, numa referência indireta aos casos de invasões americanas no Afeganistão, Iraque e Líbia.

“No caso desta guerra, as negociações deveriam incluir o questão do equilíbrio mais amplo de segurança na Europa”, defendeu. Mas admitiu que é essencial que todos os interessados demonstrem disposição ao diálogo”.

Acordos humanitários como primeiro passo
Na avaliação de Amorim, um primeiro passo para superar a crise poderia ser por meio de acordos humanitários.

“Concordamos com a urgência de tratar dos temas humanitários mais prementes, como segurança alimentar, crianças desaparecidas e troca de prisioneiros”, disse.

“Também enxergamos o potencial de atingir melhores resultados com maior envolvimento de entidades como a Santa Sé, agências da ONU e organizações humanitárias, inclusive a Cruz Vermelha”, defendeu.

Segundo ele, os temas humanitários são importantes em si mesmos. “Mas eles também podem ser vistos como um passo na direção de uma negociação mais ampla que resulte na cessação de hostilidades e, ao fim, na paz”, completou.

Zelensky tem defendido que o Brasil ainda seja a sede de um encontro entre os países latino-americanos e os ucranianos. Mas, neste momento, o Palácio do Planalto não vê qualquer chance de isso ocorrer.

Amorim, porém, elogiou o fato de que um número crescente de países, entre eles a China e países africanos, também esteja engajado em contatos diretos com Kiev e Moscou.

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