O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) informa que, entre abril e julho deste ano, fez 90 pedidos de acesso às imagens de câmeras corporais e de viaturas, mas apenas oito solicitações foram respondidas. A PM disse que pedidos foram feitos após o tempo limite de armazenamento e que ajustes estão sendo feitos.

Um documento da Defensoria Pública do Estado do Rio enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última quinta-feira (24), indica que a Polícia Militar do RJ vem tentando dificultar a transparência em relação aos registros feitos pelas câmeras corporais instaladas nos coletes dos PMs — principalmente em ações que resultaram em morte de inocentes.

O relatório revela ainda que em alguns casos as câmeras são desacopladas dos uniformes e a lente é obstruída pelos agentes. Além disso, em alguns eventos as imagens teriam sido manipuladas e até apagadas.

A PM nega que seja possível haver edição nas imagens, mas admite que “pode haver intercorrência durante as gravações”.

No processo que relata a letalidade policial no estado, o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) informa que, entre 27 de abril e 31 de julho deste ano, fez 90 pedidos de acesso às imagens de câmeras corporais e de viaturas.

Entretanto, apenas oito solicitações foram respondidas. E, dessas oito respostas, três deram acesso a links sem imagens e quatro eram gravações manipuladas.

Por sua vez, a PM alega que “as imagens das câmeras corporais são armazenadas por um período de 60 dias quando não há registro de ocorrência, por uma limitação da nuvem onde é realizado o armazenamento das imagens” e que “a maioria das solicitações de material dos órgãos vinculados ocorre após esse período, quando o conteúdo já foi legalmente descartado”.

Os pedidos correspondem a denúncias de tortura ou maus-tratos sofridos entre o momento da prisão e a apresentação audiência de custódia e morte em decorrência de intervenção policial.

A Defensoria aponta que os links com imagens indisponíveis foram apagados. Um dos casos era de morte do estudante Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, na Cidade de Deus, durante uma operação da PM.

“Foi informado que a empresa contratada não teria encontrado os arquivos ‘em modo evidência’, ou seja, as gravações não foram marcadas como ‘evidência’ e, dessa forma, foram expurgadas pelo sistema de limpeza após 60 dias da data da gravação”, diz a PM em resposta ao pedido da Defensoria.
Sobre as gravações manipuladas, o órgão diz que a câmera foi desviada para o rosto do policial e, em seguida, teve a lente obstruída. O vídeo seguiu sem imagens por 46 segundos e, quando a lente foi desobstruída, é possível ver os alvos da abordagem já algemados e sendo levados para a viatura.

Não é possível informar como foi a abordagem e se houve agressão.

Outra gravação que teria sido manipulada mostra, durante uma hora, uma imagem preta com áudio e som de fundo. Segundo a Defensoria Pública, a gravação indica que a câmera corporal foi deixada dentro da viatura.

Sobre o mau uso dos equipamentos, a PM destacou que “a Corregedoria da Polícia Militar realiza ações diárias de fiscalização para verificar a utilização das câmeras corporais por parte da tropa. Quando constatada a má utilização destes dispositivos, o agente em questão responde a um procedimento apuratório, que pode resultar em uma punição ao policial militar que é flagrado usando a sua câmera corporal de forma indevida”.

O relatório foi encaminhado para o Supremo pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, que prevê que as forças policiais avisem de imediato, e com detalhes, todas as ações policiais em comunidades do estado.

Em setembro de 2021, os autores da ADPF 635, entre eles a Defensoria do Rio de Janeiro, pediram a Corte que obrigasse o Governo do Estado a instalar as câmeras em até 180 dias.

Em dezembro de 2022, o ministro Edson Fachin determinou que estado apresentasse, em até cinco dias, o cronograma para instalação de câmeras nos uniformes e nas viaturas de batalhões especiais de polícia, com prioridade para as áreas com maiores índices de letalidade policial. Mas, o Rio está postergando a determinação do STF.

Estão sem câmeras, por exemplo, as tropas de elite da PM, como o COE (Comando e Operações Especiais), que inclui o Batalhão de Choque e o Bope (Batalhão de Operações Especiais). Na Polícia Civil também não há câmeras, bem como na maioria das Unidades de Polícia Pacificadora, outra unidade estratégica e de muita ação em operações policiais.

Segundo o coordenador do Nudedh, André Castro, o funcionamento do sistema e sua transparência ainda precisam ser muito aprimorados e, além disso, em muitos casos, a forma de utilização das câmeras pelos policiais não observa os padrões determinados pela PM. As câmeras são facilmente desacopladas dos uniformes ou, por vezes, a lente é ocluída.

Castro também reforça que os batalhões não estão observando a temporalidade na lei, que diz expressamente que as gravações deverão ser arquivadas e conservadas por um período mínimo de doze meses quando envolver letalidade ou registro de ocorrência.

“O que vem ocorrendo é que após sessenta dias, o sistema apaga as imagens que deveriam ser conservadas para fim de utilização como prova judicial ou administrativa”, ressalta.

Ao g1, a PM disse que “está em contato com a empresa fornecedora das câmeras corporais para aprimorar as questões relacionadas ao armazenamento das imagens e a qualidade do material reproduzido por estes dispositivos” e que “segue ao dispor para colaborar com as solicitações de todos os órgãos do poder público, elencados em Decreto, que formalizem solicitações em relação ao material proveniente do projeto das câmeras de uso individual”.

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